Arquivos do Subterrâneo - A transformação


Observo o olho e ele me corresponde, essa troca está me deixando louco e busco uma compreensão realista em torno desse acontecimento algo que mostre o sentido disso tudo.

Aquela estranha esfera que vez ou outra pisca para mim foi encontrada na pia do banheiro enquanto eu escovava os dentes. Estava distraído ouvindo música clássica, no momento em que imitava o ritmo do cravo de Bach, com a boca cheia de pasta, percebi algo se movendo no ralo.

Assustado guspi tudo contra o espelho e o primeiro pensamento foi que se tratava de um verme. O que não seria incomum em se tratando de um hotel onde se paga por hora.

Limpei a pia, me aproximei mas não tive sucesso em descobrir do que se tratava. Olhei de perto e vi o ralo da pia piscar, o espanto torna qualquer um bobo e comigo não é diferente, levantei bruscamente e bati a nuca contra a torneira, desmaiando.

Acordei com a prostituta que havia contratado, nua me abanando com a toalha que um dia foi branca, mas no momento era cinza com a sujeira acumulada de outros hóspedes. A cabeça confusa não podia realmente discernir sobre o que havia acontecido momentos antes. O ralo da pia do banheiro realmente piscou para mim?

Dispensei a prostituta, disse para pegar o pagamento do programa na carteira e me sentei na privada com a nuca sangrando. Da privada eu tinha a sensação de que o olho do ralo estava olhando fixamente do fundo da pia.

Minhas mãos tremiam e na mente a certeza de que não uso nenhum tipo de entorpecentes desde a juventude, tentei relembrar a última vez em que fumei um baseado ou qualquer outra droga mais pesada mas não tive sucesso, fazia muitos anos. O álcool é inviável e incompatível com o meu ritmo de vida e saúde, mas a visão que tive beira a alucinação.

O ralo piscou para mim e não consegui piscar de volta, a única reação possível foi ficar alí; estático na privada. Pensei na prostituta e logo me veio a sensação de que ela havia me dado algo para beber, com certeza agora estaria com todo o meu dinheiro tomando cerveja com seu cafetão em algum bar da zona.

Corri para a minha carteira e lá estava ela, intacta, a prostituta era honesta e meu cérebro era confuso. Arranquei o pé da cama, recolhi as cobertas e todos os panos que encontrei no quarto enrolei na base da pia e golpeei o lugar com o pé da cama como se estivesse derrubando uma parede com uma marreta.

Em poucos minutos a base estourou e a água começou a espirrar por todos o lados, havia estourado muito mais do que a base, a pia se desfez em pedaços e nada do olho que me observava.

Catei os pedaços maiores de porcelana e canos e com golpes de pé de cama fui reduzindo eles aos pedaços. Nos últimos golpes algo salta de uma das emendas do encanamento como se estivesse tentando fugir o olho passa por entre os pedaços de entulho que acabei de gerar e segue rumo ao cano estourado na parede.

Com um tapa certeiro atinjo aquela estranha esfera que bate contra a parede e cai sobre o que restou da cama e nesse momento começo a ouvir estranhos chiados e sons como estática de rádio AM. O som parece sair de dentro de meu cérebro enquanto aquele estranho olho me observa.

A água toma conta do cômodo, volto ao banheiro pego parte dos panos que enrolei na base da pia para evitar o barulho de demolição e isolo os vãos da porta para evitar que a água escorra escada abaixo do antigo hotel.

Uso uma garrafa de refrigerante que havia tomado horas antes, retiro a tampa e sobre esse recipiente coloco o olho, arrumando-o sobre uma cômoda. Sento em um banco e paro para observar aquele estranho olho e percebo que ele muda de cor do verde para o azul, piscando em intervalos de cinco minutos.

Aquele olhar estava me hipnotizando e as vozes começavam a ficar cada vez mais clara em minha mente: Tudo o que é seco um dia fica molhado - repetia.

Estático; observo aquele olho e a voz cada vez mais intensa fala quase que dentro de meu cérebro: Tudo o que é seco um dia fica molhado, estamos chegando. Esse contato sensorial toma conta de meu ser e nem percebo um estranho movimento no cano onde antes era a pia do banheiro.

Algo estava saindo do cano. Algo parecido com uma gelatina começa a escorrer pelo pequeno orifcio de poucas polegadas e começa a tomar forma. Enquanto isso, em meu cérebro algo repetia: Tudo o que é seco um dia fica molhado, estamos chegando.

Aos poucos a estranha gelatina toma forma de tentáculos e a última parte a sair pelo orifício minúsculo foi uma espécie de cabeça em forma de lança.

Logo percebi que não estava sozinho no quarto, algo mais estava lá dentro, um enorme polvo com tentáculos que mediam com certeza algumas dezenas de metro cada um deles, além dos tentáculos um corpo um pouco maior que meu tronco estava lá ao meu lado.

Os tentáculos começam a envolver minhas pernas, mas não podia fazer nada a não ser observar aqueles belos olhos piscando para mim.

Os tentáculos rasgam a pele de minha perna e por incrível que pareça não senti nenhuma dor, apenas uma estranha sensação de paz interior.

Meu estômago revira, fico extremamente enjoado e vomito uma estranha meleca no chão. Foi como se estivesse desmaiado por alguns momentos, mas volto a olhar o olho que pisca para mim. A voz havia sumido é então que observo dedos com ventosas recolher o olho e coloca-lo em uma das órbitas oculares de meu rosto.

Descubro, assustado, que não sou eu que estou em meu corpo, algo havia se apossado de minha identidade, tento mover as mãos mas não as sinto mais, porém o impulso cerebral de movimento faz os tentáculos que agora ocupam os meus membros se moverem freneticamente.

A estranha criatura que agora na verdade era meu antigo corpo, coloca o chapéu sobre a cabeça, veste o casaco e sai porta afora, antes porém me observa e dá uma última piscada. Assustado, e achando que estava delirando rastejo até o espelho e percebo que não tinha mais cabelo, agora uma estranha cabeça de lança e grandes olhos negros redondos, era bem dizer todo o meu corpo.

Não tenho outra saída, não ficarei naquele quarto para me tornar um prato exótico de algum restaurante, escorro pelo cano e sigo para um destino incerto em uma terra ainda desconhecida. Uma terra onde a água tem o seu domínio com estranhas criaturas vestindo Skafandro.



Áudio conto de Renato Fernandes na voz de Marcos Maciel

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